sábado, 27 de fevereiro de 2010

De lá pra cá, 40 Maios se passaram...

“O que aconteceu lá na França, vai mudar nossa dança”
(Raul Seixas, trecho da música “Cachorro-urubu”)



Não temos dúvida alguma de que o século XX, assim como afirma o professor Valério Arcary, foi o século mais revolucionário da história. Contabilizamos dezenas de revoluções, sublevações e insurreições. Listamos todos os motivos que as levaram à vitória ou à derrota, como se seus personagens protagonistas estivessem munidos com tal leque de opções, ou pior, como se a história fosse um simples leque de opções.

O significado físico-clássico da palavra “revolução” é o de “volta” em torno de um eixo, o dialeto político adaptou o conceito às grandes transformações bruscas na sociedade. Porém, devemos nos desapegar um pouco do conceito de revolução baseado somente em tomada de poder. Não temos dúvida de que aquele fatídico Maio de 1968 foi uma revolução, embora não tenha se concluído com a derrubada de Charles de Gaulle. Nenhum mês, nem mesmo o outubro, mexe tanto com o imaginário popular, canções, poesias etc. Nenhum acontecimento (nem guerras, nem revoluções, nem a chegada do homem à lua) alterou tanto o comportamento de uma juventude.

“Maio de 1968” não é uma data, foi arrancado do calendário e passou a ser um acontecimento.

Acontecimentos históricos paralelos foram verificados nesse ano; como a invasão da Tchecoslováquia por tropas soviéticas, a ofensiva do Ted no Vietnam, aperto da ditadura no Brasil com o AI-5. Por esse ponto de vista, nenhum ano do século XX se compara ao de 1968. Por isso alguns autores se referem a ele como “os anos 68”.

Os estudantes franceses se posicionavam contra a reforma universitária de lá. Mas tudo começou com uma ocupação no conselho da universidade. Os estudantes protestavam contra o impedimento dos meninos transitarem pelos alojamentos femininos e vice e versa. Ou seja, tudo começou com a exigência das visitas íntimas, e alguém acha isso pouca coisa? Obviamente a pauta foi avançando, passando a exigir melhores condições de estudos, fim da repressão do estado, fim do conservadorismo nas instituições de ensino, fim da guerra do Vietnam etc. e etc.

Da mesma forma que alguns acreditam que o que levou os estudantes de Vitória a somarem 5000 cabeças pela Reta da Penha em 2005 foi a truculência policial, muitos acreditam que a maneira como as manifestações francesas foram reprimidas foi o que levou milhões de estudantes a se colocarem em greve estudantil e entupirem as ruas de Paris, e mais, acreditam que isso levou os sindicatos e desempregados a aderirem a causa.

Se a afirmação de que a truculência causa tanta indignação ao povo ultrapassa gerações, então estamos falando que o povo é sim capaz de se mobilizar e aderir à luta, e mais, estamos dizendo que o povo tem coragem de enfrentar a pior das truculências: A truculência da classe dominante e de seu aparato policial.

O saldo na França foi mais de um milhão de pessoas nas ruas, mais de 300 fábricas paradas, 10 milhões de trabalhadores em greve, duas semanas de economia PARALISADA. A maior explosão criativa já vista em uma manifestação com pichações como: “Deixem o medo do vermelho aos animais com chifres”, “Sejam realistas, exijam o impossível”, “A barricada fecha as ruas, mas abre os caminhos”, “não confie em ninguém com mais de 30 anos”, “é proibido proibir”, “Os muros possuem orelhas, vossas orelhas possuem muros” etc. Manifestações ao redor do mundo como Alemanha, Itália, EUA, Brasil e México, que culminou com o massacre de Tlatelolco. Um ano depois, a insustentabilidade política de Charles de Gaulle.

Seu esvaziamento? Muitas causas podem ser apontadas também, as concessões de de Gaulle; a capitulação do PC; a desarticulação dos comitês de greve, que falavam mais em “vazio de poder” do que em “dualidade de poder” (algo parecido com a bobagem zapatista de se “mudar o mundo sem se tomar o poder”); não havia um programa de mudanças estruturais, mas o que se podia esperar? Ninguém tirou aquilo da cartola da história, e como se preparar para uma coisa que ninguém esperava?

Alguns, como Elio Gaspari, acreditam que tudo isso foi negativo, pois “colocou água no moinho do autoritarismo e prolongou as ditaduras”. De fato, isso é verdade. Mas não é toda a verdade! De lá para cá o mundo não foi mais o mesmo. Para quem acha que Woodstock, como ápice da cultura hippie, impactou a humanidade mais fortemente que o Maio de 68, esquecem-se de considerar que o próprio festival (realizado em 69) absorveu os ares do que havia acontecido um ano antes na França. Isso para não considerá-lo precipitadamente até mesmo como uma conseqüência do Maio francês.

A maneira com que se passou a encarar a diversidade no mundo e nos parlamentos, a maneira com que a juventude passou a ser tratada (que ainda não é a ideal, mas parou com esse negócio de sermos pré-cidadãos), as conquistas sociais. Outros setores da sociedade passaram a ser considerados agentes sociais, atores da transformação, e não só o operariado e o campesinato. Isso se trata de uma mudança também teórica para o marxismo. Seria difícil imaginar o mundo sem tudo isso.

Espontaneísmo e contestação!


Ainda hoje em nossas manifestações em defesa da universidade pública ou pelo passe livre e por redução no preço das passagens de ônibus, é inevitável lembrarmos e imaginarmos como deve ter sido aquela primavera Parisiense. Uma manifestação que não eternizou líderes, uma manifestação que, talvez pela falta de líderes, tenha se finalizado da mesma forma que começou, sem uma estratégia concluída. Enfim, uma manifestação que merecia resultados objetivos muito maiores que os alcançados. No entanto, não devemos subestimá-la como o fez de Gaulle em seu início ou como faz Gaspari hoje. O maio de meia-oito foi um mês que ainda não acabou. Não nos enganemos, nossa geração é herdeira daquela luta.


Tadeu Guerzet

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sábado, 20 de fevereiro de 2010

DESEMPREGO, TRABALHO E EDUCAÇÃO PARA A JUVENTUDE NO QUADRO DA INFORMALIDADE CRÔNICA

No debate acerca do mundo do trabalho convencionaram- se chamar de “informalidade” os postos de trabalho que não cumprem os requisitos formais empregatícios e que não recebem garantias legais. Em geral são aqueles postos de trabalho do pequeno comércio informal, ambulante, da prestação de serviços autônomo ou do emprego temporário. Como diz o professor da USP Franscisco de Oliveira, a informalidade é um termo ainda carregado de apelo ideológico. Não existe possibilidade de superação nos marcos do modo de produção capitalista no regime da dominância financeira e na era da predominância do capital fictício.

Durante a década de 90 no Brasil assistimos a bancarrota do trabalho. Diante da contradição primária do sistema capitalista, a luta Capital x Trabalho, o capital tem sido quem desponta com muitos pontos de vantagem no Brasil. Com o advento do plano real, o desmantelamento de postos de trabalho ocasionados pelo baixo crescimento e as privatizações encontrou um ponto crítico. Mesmo os apologétas do capitalismo admitiam que o desemprego era endêmico, estrutural, infalível e abissal.

Das diversas mentiras apregoadas pelo “choque de modernidade”, destaco o falsário discurso da técnica, da qualificação. O capital pressupôs que seria necessário cada vez maior qualificação para ser inserido num mercado de trabalho cada vez mais exigente. Quando que, na verdade, nunca foi preciso uma qualificação real para ocupar os postos de trabalho disponíveis para a maior parte da classe trabalhadora, mesmo a formalmente alocada, onde as maiores exigências são saber ler e interpretar minimamente as orientações da máquina, do software, ou, quando muito, realizar determinada função facilmente adestrável.

O discurso da técnica escamoteia, na verdade, o fato de que o capitalismo é incapaz de absorver e dar garantias para a mão-de-obra excedente, putrefando o exército industrial de reserva e a super-populaçã o-relativa. As garantias de outras épocas, desapareceu, foi substituída pelo just in time, pela negociação direta e pela frieza do serviço de proteção ao crédito.

Este discurso falsário transformou o ensino-cultura num pregão nas universidades. O tempo de sala de aula foi superestimado, é a mais-valia discente. Quantidade de “horas/aula-assistidas”. Tempo de serviço prestado à “sociedade” no quadro negro. De um lado o fordismo do sistema de ensino, do outro lado o fim dos espaços de vivência/culturais nas universidade, o fim da interdisciplinaridade, o surgimento de uma nova arquitetura que privilegia paredes, cadeiras acolchoadas (para se ficar muito tempo sentado, ouvindo) e sem nenhuma arte, vidros fumê, escadas sobre-salas, data-show e etc. Do outro, o discurso inflama o tumor do ensino privado tornando a metástase dos cursos compartimentalizados mais vigorosa, cada vez mais “curso superior em engenharia de cálculo petrolífero de plataformas do Atlântico sul”ou “administração com ênfase na produção de sapatos no ABC paulista” e coisas do tipinho. Pode parecer engraçado, mas na Estácio de Sá-RJ existe curso de engenharia aeronáutica com habilitação em aeronaves com asas fixas, curso superior de estética, para secretariado executivo trilíngue, para gestão de segurança privada e etc.

O quadro econômico sustentado por este discurso gera a demanda que o mercado das carteiras escolares superiores tanto precisava. Sub-cursos, gerando sub-profisionais para ocupar os mesmos empregos e para desempenhar uma função de igual natureza, porém repaginada, minuciosa, sem uma visão totalizante do processo produtivo. É um facilitador do processo de alienação descrito por Karl Marx nos Manuscritos- economicos filosóficos. Não se trata de um trabalhador do ramo de tecidos, alfinetes ou sapatos que não enxerga o seu trabalho no produto final, se trata de um complexo produtivo que absorve e faz “desaparecer” o esforço de milhões que não enxergam seu trabalho (administrativo, técnico, pesado, leve, informatizado, de transporte, de logística, de armazenamento, de insumo etc..etc...etc) no produto final bem pudera,o que já era difícil foi dificultado por uma formação superior cada vez mais micro-localizada.

Obviamente esta catástrofe atinge a juventude no peito (e no bolso). No Brasil, 66% dos jovens trabalham ou procuram trabalho. 21% apenas estudam e 13% não estudam, não trabalham e não procuram trabalho. 60% da juventude vivem em com a renda familiar per capita de um salário mínimo. 40% dos jovens desempregados estão abaixo da linha da pobreza.

Dos jovens que trabalham, a imensa maioria está na informalidade, 40% exerce jornada de trabalho superior a 44h. De outubro de 2008 à fevereiro de 2009 foram desfeitos 17.000 postos de trabalho para a faixa etária entre 18 e 24 anos. Entre 25 e 29 foram quase 200.000.

As políticas públicas amenizam esta catástrofe, embora não signifiquem um modo eficaz de superação do problema. A única saída é a superação do regime. Do modo de produção, reprodução e apropriação de riquezas no mundo.

Ao PSOL, cabe ultrapassar as dificuldades para se afirmar na conjuntura como um partido de musculatura e capaz de enfrentar a falsa polarização PT e PSDB. Ao mesmo tempo, se manter firme aos seus ideais e programa socialistas. Uma tarefa difícil mas que precisamos resolve-la com arte.

Tadeu Guerzet

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