segunda-feira, 8 de março de 2010

Quem é o réu?

Economistas, filósofos, sociólogos e entusiastas de plantão proclamam a superação do capitalismo por ele próprio. As análises contorcionistas (mais otimistas) constatam uma “elevação do padrão de vida da humanidade”. Tudo isso é creditado à reestruturação produtiva, ao avanço tecnológico, aos celulares que tiram fotos, carros com câmbio automático, brinquedos que falam, computadores portáteis, pseudo-melhorias nas condições de trabalho, e de uma manipulação estatística que transforma em “prosperidade” termos como “supérfluo”, “descartável” e “efêmero”.

Contrariando os “advogados do diabo”, que saltam de alegria a cada publicação dos altos índices de lucratividade semestral da CVRD (Bradesco, Monsanto, etc), e aos que comemoram o bom momento do mercado financeiro, temos a fotografia de uma realidade menos morta, escancarada por Ricardo Antunes em seu artigo “Karoshi Tropical”.

O Karoshi é um “acometimento fatal por sobre-esforço, sendo considerado uma doença relacionada ao trabalho e que freqüentemente está associada a longos períodos de horas trabalhadas”, fenômeno constatado no Japão, mais ou menos no período em que um novo padrão de acumulação surgia no mundo. Significa “morrer de trabalhar”, ou algo parecido com “estafa”. Fugindo a qualquer coincidência, a terra do Toyotismo é a única do mundo a possuir um termo lingüístico para definir “morrer de tanto trabalhar”, ou seja, “Karoshi”.

O primeiro caso registrado de Karoshi deu-se em 1969, no Japão, quando morreu um trabalhador de 29 anos por infarto, distribuidor de jornais da maior empresa japonesa do ramo. A notícia popularizou o termo Karoshi e o Ministério do Trabalho Japonês, sob pressão, começou a publicar as estatísticas de 1980 a 1987 e estas apontam para o fato de que o Karoshi privilegiava quanto à sua sintomatologia terminal: os ataques cardíacos e os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), atingindo principalmente aqueles que trabalham mais de 3000 horas/ano.

No ano de 2003, foram 157 mortes por Karoshi no Japão, além dessas, ocorreram 155 casos de funcionários com disfunções cerebrais e doenças cardíacas originadas pelo prolongado número de horas trabalhadas. Das 312 vítimas do excesso de trabalho, 297 eram homens, a maior parte em torno de 50 anos e empregados em setores como transporte e comunicações. A estatística revelou, além disso, que em 2003 foi recebido um recorde de 438 solicitações de indenização por casos de distúrbios mentais, depressão ou suicídios ocasionados pelo excesso de trabalho, uma alta de 97% em relação ao ano anterior.

Além dos homicídios dolosos na lista de crimes do trabalho, existem seus casos culposos. Portanto, não se sintam seguros! Cerca de 3.000 pessoas se suicidam por dia no mundo, uma a cada 30 segundos. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por ocasião do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio declarou: "A porcentagem de suicídios aumentou em 60% no mundo durante os últimos 50 anos, e o aumento maior foi registrado nos países em desenvolvimento".

Dentre as listas de enfermidades do capitalismo moderno, temos ainda os cinematográficos casos de massacres estudantis nas escolas que crescem torrencialmente. Para não falar dos casos mais célebres, nos EUA, registram-se também eventos quase hollywoodianos de amoque no Japão, Escócia, África do Sul e Alemanha. Nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, em que jovens de, respectivamente, 15, 16, 22 e 19 anos, se envolveram em massacres escolares. Na chacina de Erfurt, por exemplo, quase todo o corpo docente, foi dizimado a tiros!

Esses não podem ser considerados como “casos isolados”, mas resultados de uma microexplosão social. Um fenômeno periódico, resultado do que viemos praticando nas escolas, na faculdade, nos bancos, nas linhas de produção e em todo o mundo. Transformando seres em máquinas produtivas abstratas, empresários de si mesmos sem nenhuma garantia, competições fratricidas, necessidade de auto-afirmação. Uma estrutura econômico-social que explora até o tutano do trabalhador/técnico/profissional, ou seja lá que nome que cada um prefira usar ou que ache mais adequado. O capitalismo é o réu.

No Brasil, diferentemente do Japão, o Karoshi se manifesta nas formas de trabalho mais primitivas e pesadas. O debate recente acerca do biodíesel e do etanol, levantou a questão das relações de trabalho nos canaviais brasileiros. E como estamos no país do carnaval? No país que se vangloria por ter conceito de primeiro mundo em cirurgias plásticas, mas que mata e escraviza pessoas nas masmorras de seus plantations em nome do tão defendido “agronegócio”, reflete a contradição de nosso subdesenvolvimento, como um entruncamento na cadeia evolutiva do capitalismo mundial. Uma sociedade “ornitorrinco” como nos ajudou o professor Chico Oliveira. Uma sociedade comparada a um mamífero, aquático, que põe ovo, tem rabo de castor e bico de pato. Eis aqui aonde viemos parar e onde essa onda nos trouxe!


Tadeu Guerzet

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