“O Dia do Fico deu-se em 9 de janeiro de 1822 quando o então príncipe regente D. Pedro de Alcântara foi contra as ordens das Cortes Portuguesas que exigiam sua volta a Lisboa, ficando no Brasil.
Por volta de 1821, quando as Cortes Gerais e Extraordinárias na Nação Portuguesa demonstraram a idéia de transformar o Brasil de novo numa colônia, os liberais radicais se uniram ao Partido Brasileiro tentando manter a autoridade do Brasil. As Cortes mandaram uma nova decisão enviada para o príncipe regente D. Pedro de Alcântara. Uma das exigências era seu retorno imediato a Portugal.
Os liberais radicais, em resposta, organizaram uma movimentação para reunir assinaturas a favor da permanência do príncipe. Assim, eles pressionariam D. Pedro a ficar, juntando 8 mil assinaturas. Foi então que, contrariando as ordens emanadas por Portugal para seu retorno à Europa, declarou para o público: "Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico".
A partir daí, D. Pedro entrou em conflito direto com os interesses portugueses, para romper o vínculo que existia entre Portugal e o Brasil.
Este episódio prenunciou a declaração de independência do Brasil que viria a ser proclamada em 7 de setembro de 1822” . (Wikipédia)
A opção de iniciar a presente análise com essa citação da Wikipédia justifica-se por ela apresentar uma definição bastante representativa da simplificação histórico-social que marca nosso aprendizado básico sobre a participação de D. Pedro na Independência do Brasil. Segundo o padrão de ensinamento ao qual tem acesso todo brasileiro que cursa as séries iniciais, o “Dia do Fico” é lembrado como uma data histórica de maior grandeza. A expressão remete-se a um episódio carregado de construção simbólica. Ela enaltece o espírito heróico e patriótico do príncipe regente, vinculando-se diretamente ao mito da Independência, que por sua vez transfere a D. Pedro, como num passe de mágica, toda a responsabilidade pelo sucesso dos acontecimentos e relega a terceiro plano uma análise mais complexa dos cenários latentes, manifestações sociais e movimentação de forças políticas profundamente vinculadas ao processo de independência do Brasil.
Nosso objetivo é chamar a atenção para a forma como a imprensa tem tratado o anúncio do governador Paulo Hartung de que permanecerá no Governo do Estado até o final do ano e que, portanto, não mais disputará uma vaga ao Senado. A força e a intensidade com que a expressão “Dia do Fico” foi utilizada nos últimos dias demonstra uma carga de simbolismo comparativamente desproporcional entre os dois episódios: o anúncio de D. Pedro e o de PH. Como já foi dito, quer queiramos ou não, é fato que o “Dia do Fico” compõe a essência do mito constitutivo da Nação Brasileira.
Ora, nos próximos dias, em todo o país, haverá anúncios para todos os gostos: uns ficam, uns saem, uns voltam e por aí vai... É absolutamente legítimo e necessário que as movimentações eleitorais em torno do prazo limítrofe para desincompatibilizações sejam motivo de intensa cobertura da mídia. Todo cidadão merece saber o que se passa na política, sendo que mesmo uma boa dose de análise especulativa dos cenários faz bem à democracia. Mas no caso em questão, o questionável é a forma ufanista como qualquer atitude do governador, tido praticamente com ser messiânico, é abordada pelos veículos locais de comunicação.
A expressão “Dia do Fico” é a síntese da construção simbólica em questão. Em última medida, ela associa a imagem de Paulo Hartung a de Dom Pedro. Nivela uma atitude típica de períodos pré-eleitorais a um episódio histórico que décadas após décadas vem sendo difundido e cultuado pelo aparato ideológico do Estado brasileiro. Nesses casos, não há margem para se argumentar a ingenuidade ou o despretensioso ímpeto sensacionalista do primeiro profissional de comunicação (repórter, pauteiro, ou sei lá quem...) que após o anúncio do governador optou pela expressão, criando um efeito dominó. O fato é que a associação existe e foi amplamente massificada desde sexta-feira. Não parece coincidência que isto ocorra justamente frente às palavras de um governador de estado conhecido como “Imperador”. Com certeza, as páginas dos jornais capixabas nesses dias que se passam serão um bom material de pesquisa para aqueles que no futuro quiserem estudar a construção do mito Paulo Hartung.
Mas afinal, o que aconteceu? Por que Paulo Hartung desistiu de disputar o Senado? Por que resolveu mexer bruscamente no arranjo do tabuleiro que vinha montando desde 2009? Quem sai ganhando? Quem sai perdendo? Quais os cenários que se abrem? As perguntas para essas respostas tem movido os analistas políticos desde o momento em que PH anunciou sua permanência no Governo. Uma coisa é liquida e certa: toda a construção mitológica em torno de Dom Pedro, do Dia do Fico e da Independência do Brasil omite verdades e simplifica fenômenos histórico-sociais. Da mesma forma, a barulheira em torno do pseudo “dia do fico” de PH compõe um nevoeiro onde teoricamente apenas o comandante da nau saberá navegar. Disso, já podemos tirar uma conclusão: ora, se existe a necessidade de refazer o plano de viagem e de sabotar a estrada com um nevoeiro para que os demais navegantes (os adversários principalmente, mas inclusive os companheiros de viagem) fiquem atordoados... é sinal de que alguma coisa deu errada nos planos do comandante, que agora precisa retomar o comando, custe o que custar.
É óbvio que o artigo censurado sobre as masmorras capixabas e, principalmente, a exibição da situação dos presídios em fórum paralelo a evento da ONU abalaram a imagem do estado e forneceram vasta munição aos críticos da política de segurança do governador. É notório também que o acirrado debate em torno da questão dos royalties do petróleo deixa o governo em situação desconfortável. E ainda há as tais pressões familiares citadas pelo governador, sofridas por nove em cada dez políticos... Mas nada disso seria problema se a tese da candidatura única não enfrentasse problemas. Esse é no da questão! Ao que tudo indica, o principal obstáculo a demonstrar a fraqueza da operação política montada por PH em torno do nome do vice-governador Ricardo Ferraço é uma tensão latente no terreno eleitoral. O fantasma que assombra a nau governista tem cargo, nome e sobrenome: Senador Renato Casagrande.
O governador Paulo Hartung é conhecido por evitar confrontos diretos com adversários que tenham a menor possibilidade de polarizar os processos eleitorais e lhe impor derrotas. Em 1992, ele passou ao segundo turno das eleições municipais de Vitória graças a conflitos internos do PT, que levaram o então prefeito Vitor Buaiz a apoiá-lo nos bastidores, em detrimento do candidato petista João Coser. No segundo turno daquelas eleições, PH teve muitas dificuldades para vencer o Médico Luiz Buaiz, já um veterano em final de carreira. Desde então, PH sempre esforçou-se em montar amplas coalizações que lhe permitissem vitórias muito mais pelo isolamento dos adversários do que pela sua capacidade de obter votos na massa do eleitorado. Mesmo assim, em 2002 enfrentou dificuldades para evitar o segundo turno com Max Mauro.
Em 2010, as dificuldades de Paulo Hartung são ainda maiores, pois não será ele próprio o candidato. Ao optar por Ricardo Ferraço, o governador assumiu a incumbência de ir para o pleito com um candidato de origem oligárquica, de perfil enfadonho e pouco carismático. É claro que o peso da máquina governista e o trabalho dos consultores de marketing amenizam o perfil do vice-governador. Mas mesmo assim, o plano só estaria sob controle caso não houvesse uma candidatura com densidade eleitoral forte a desafiá-lo, o que não é o caso. A pesquisa do instituto Futura divulgada no último domingo (21) demonstra Ricardo Ferraço com 33% das intenções de votos, contra 28% de Renato Casagrande. Se considerarmos que o Senador sequer anunciou formalmente sua candidatura, é absolutamente sensato falar em empate técnico. Mas os problemas do governador tendem a se agravar na medida em que os outros dois candidatos colocados até agora, o deputado federal Luiz Paulo Velozo Lucas (PSDB) e a ex-deputada estadual Brice Bragato (PSOL) também tendem a crescer, por serem lideranças consolidadas entre os capixabas. Pelo curso das coisas até a última semana, o segundo turno seria inevitável!
Quem esteve na prestação de contas do senador Renato Casagrande, no sábado dia 12 de março, percebeu que havia um clima de euforia no ar. O ambiente lembrava uma grande plenária de reta final de campanha, quando se está próximo à virada rumo à vitória. A militância do PSB presente no teatro da UFES, sob a liderança de Casa Grande e do deputado federal cearense Ciro Gomes, demonstrava disposição para o embate eleitoral. O clima de contemplação aumentou ainda mais com a presença da deputada federal Rita Camata (PSDB). Circulava rumores de que o PSDB apoiaria Renato Casagrande, que teria a tucana como sua vice. Mesmo que a tal coligação seja pouco provável em função dos desencontros entre os palanques nacionais, uma coisa deve incomodar muito ao governador, ainda que no campo das hipóteses: esta aliança seria uma grande ameaça, podendo colocar por terra todo o projeto em torno do nome do vice-governador.
Com certeza o PSB vem fazendo pesquisas para monitorar o comportamento do eleitorado. Quem sabe esteja de posse de informações até mais favoráveis do que aquelas divulgadas por A Gazeta. A partir dessa premissa, fica mais fácil interpretar a postura do senador Renato Casagrande e mesmo o clima de euforia da sua prestação de contas. E, por conseqüência, joga luz sobre o comportamento de Paulo Hartung ao anunciar sua permanência no Governo e facilita o desenho dos possíveis cenários a se consolidarem até junho.
Sem levar em consideração as implicações de uma eventual candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República, que poderia forçar o senador Renato Casagrande a manter sua candidatura ainda que em condições muito adversas, cenário que nos parece pouco provável, tudo indica que a estratégia de Casagrande no tabuleiro da política capixaba é esticar a corda até o limite máximo, sempre confiando em sua grande densidade eleitoral manifestada em pesquisas. Até a última semana, dois cenários certamente prevaleciam: (1) a candidatura de Casagrande forçaria o governador Paulo Hartung a abrir um espaço na chapa governista correspondente ao poder de fogo atual do senador; (2) Renato Casagrande assumiria sua candidatura a governador após Paulo Hartung deixar o governo para ser candidato ao Senado. Nessa segunda hipótese, o PSB intensificaria o discurso oposicionista na perspectiva de fragilizar o Governo Ferraço, ao mesmo tempo em que aumentaria o assédio na perspectiva de compor uma frente de aliados com partidos que abandonariam o barco ferracista. Os bons resultados das pesquisas ajudariam nessa missão de romper o isolamento.
Ao anunciar que não deixará o Governo, Paulo Hartung estreita o raio de manobras do PSB e dificulta ainda mais a constituição de uma aliança em torno de Casagrande a partir de forças políticas que romperiam com Ricardo Ferraço. Mas ao mesmo tempo, cria as possibilidades de incorporar Renato Casagrande no projeto sucessório do Governo, na medida em que a vacância de uma candidatura ao Senado aumenta o poder de barganha dentro da frente ferracista. Ou seja, por um lado, as possibilidades de movimentação do PSB, que já eram curtas, ficaram ainda memores, mas por outro, aumentaram as possibilidades de incorporação dos socialistas no arranjo coordenado por PH. A coligação entre PSB e PSDB continua sendo um caminho promissor eleitoralmente. Porém, como já foi dito, exacerbaria contradições e conflitos entre os palanques nacionais.
Outro cenário possível, apesar de muito remoto, seria o PT aproveitar o momento de reviravolta na cena política capixaba para fazer a autocrítica da estratégia equivocada construída desde 2009. O prefeito de Vitória João Coser apostou numa jogada que garantiria a indicação do vice-governador na chapa de Ferraço e uma tal “reserva de mercado” para sua candidatura ao Governo em 2014. Mas na prática, a precipitação demonstrou-se um completo fracasso, algo que beira amadorismo político.
As movimentações recentes de Paulo Hartung transformaram o sonho petista em pesadelo. Como Ferraço não assumirá o Governo, ele poderá ser candidato à reeleição e eventualmente ficar no poder até 2018. Nesse caso, a vaga de vice-governador parece pouco para o PT, que foi o maior vitorioso das eleições municipais de 2008 e pelo que tudo indica continuará na Presidência da República a partir de 2011. A outra possibilidade ventilada seria João Coser deixar a prefeitura de Vitória pra disputar o Senado. Nesse caso, o PT entregaria sua maior vitrine administrativa ao peemedebista Tião Barbosa, atual vice-prefeito da capital e hartunguista de carteirinha. Na prática, resolver-se-ia a vida de Coser, que caso eleito assumiria um mandato de oito anos, mas correr-se-ia o risco de prejuízos incalculáveis para o projeto petista. O atual prefeito da Serra, Sérgio Vidigal, passaria a ser o principal nome na fila sucessória do Governo Estadual.
Num cenário intrincado como esse, não seria nenhum absurdo se o PT considerasse zeradas todas as negociações e retomasse sua aliança histórica com o PSB. Juntos, os dois partidos criariam um tensionamento no mercado político tão grande quanto qualquer fato político que PH possa criar para favorecer seu candidato. Mas ao contrário do governador, a cúpula petista é incapaz de agir com imprevisibilidade e desprendimento político. Falta capacidade de formulação estratégica, autonomia partidária e ousadia militante!
Por fim, há quem acredite que tudo não passar de jogo de cena do governador. Segundo essa tese, no inicio de abril, após ter sido alvo de muita bajulação, PH dirá que acata ao chamado da sociedade e de lideranças políticas nacionais para assumir a tarefa sagrada de se candidatar ao Senado. Se depender do estado de ânimo da imprensa local, estaríamos diante não mais do “FICO”, mas do “Movimento Queremista”, como aquele que em 1945 pediu a permanência de Getúlio Vagas no poder. Felizmente, o movimento foi um fracasso e a ditadura do Estado Novo teve seu fim. Mas esta é uma outra história! Aguardemos o virar das páginas.
Ronaldo Cassundé - Jornalista, Consultor Político e Mestre em História Social das Relações Políticas pela UFES.
sábado, 27 de março de 2010
PH: DO MITO DO"FICO" AO POSSÍVEL “QUEREMISMO”
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Ótimo texto do companheiro Ronaldo Cassundé
ResponderExcluirGraaaande Cassundé!!
ResponderExcluirUm ás com o papel e a caneta! Igualmente com um microfone na mão!
Aquele Abraço!
Lumbricóides...